A história da instituição deixa evidente o seu compromisso com a preservação dos valores decorrentes da influência negra no Brasil; Em contrapartida, o currículo do presidente reflete o seu distanciamento da temática afro-brasileira
A Fundação Palmares, fundada em 1988, emerge no contexto da redemocratização brasileira como a primeira instituição pública com foco na preservação dos valores culturais, históricos, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira. A colonização do pensamento acaba por encobrir, infelizmente, a intrínseca relação brasileira com o modo de pensar e fazer africano, entretanto, a observação atenta do cotidiano escancara que rezamos, cantamos, dançamos, comemos e cuidamos com base na riquíssima cultura afro-brasileira.
Desde o surgimento da Fundação, alguns avanços na órbita das legislações foram alcançados pelo povo negro: a criminalização do racismo, a construção e aplicação da Lei 10.639/2003, a formulação e efetivação da Lei de Cotas nas universidades, para citar progressos. Mesmo cercado por alguns dispositivos legais que deveriam garantir-lhe o direito de ser, estar, ir e vir, o povo negro continua convivendo cotidianamente com o racismo, a sua História e a sua Cultura ainda encontram obstáculos em instituições de ensino e planos curriculares e muitos jovens morrem violentamente atacados pelas polícias, simplesmente por serem negros. Somada a isso, cabe ressaltar a intolerância religiosa sofrida pelas comunidades tradicionais de terreiro, que são atacadas e demonizadas desde que os primeiros escravizados pisaram em terras tupiniquins.
À frente dessa importante Fundação já estiveram Joel Rufino dos Santos (historiador, professor e escritor referência para o estudo da cultura africana), Dulce Pereira (comunicadora e ex-diplomata que estabeleceu importantes relações com ONU e UNESCO), Ubiratan Castro de Araújo (historiador baiano com ampla produção intelectual sobre o povo negro) e José Hilton Santos Almeida (ator e diretor de teatro, líder da Companhia dos Comuns, responsável por ampliar a presença de negros/as no teatro brasileiro), para citar alguns nomes. Rememorando figuras tão significativas e atuantes, percebe-se que a Fundação Palmares, definitivamente, não é lugar para o atual presidente, Sérgio Camargo. Este senhor está, visivelmente, deslocado da realidade de uma instituição respeitada internacionalmente.
No final do mês de abril, Camargo chamou o movimento negro de “escória maldita”. Além disso, agrediu verbalmente Mãe Baiana de Oyá, importante liderança religiosa afro-brasileira, ialorixá do Ilê Axé Oyá Bagan, no Distrito Federal, nomeando-a como “filha da puta macumbeira”. O atual presidente da Fundação Palmares, ao desrespeitar o movimento negro e uma de suas lideranças põe a descoberto o seu racismo, a sua falta de educação e o seu despreparo.
Camargo tem uma longa lista de declarações desrespeitosas e agressivas ao movimento negro e à cultura afro-brasileira. É contra o Dia da Consciência Negra, contra as cotas raciais, contra o rap, contra Marielle Franco, contra ngela Davis e Zumbi dos Palmares. Como muitos dos representantes do governo de Jair Bolsonaro, é contra os próprios temas que deveria defender. Herméticos, desconectados da realidade, tomam decisões que podem destruir histórias, projetos e lutas, coisas que eles não possuem.
Saia deste lugar que não te pertence, Sérgio Camargo!
Isley Borges – Jornalista da ADUFU
*Esta seção é dedicada à exposição da opiniao pessoal e das análises profissionais dos jornalistas da ADUFU-SS